Capítulo 1: O Silêncio das Estrelas
No planeta Anatellon, o qual vocês na Terra chamam de K2-141b, o céu nunca era escuro totalmente, o significado de “hostíl” se dava a este planeta e a sua estrela. Mesmo nas horas mais profundas do que podia ser chamado de noite, o brilho metálico das tempestades de ferro e titânio fundidos no terminador iluminava a paisagem, refletindo-se nos oceanos de lava que tomava todo lado claro, e que se estendiam até onde os olhos podiam ver a muitas frações da distância que a luz percorria. O sol nunca se pusera ou nascera. Se você quer dormir precisa se deslocar para o lado escuro, mas não muito ao centro, pois lá além de muito frio, era moradia de uma civilização que você não gostará de conhecê-la. Além do terminador máquinas operárias autônomas estavam instalando placas fotovoltaicas para coletar energia, pois Anat, o sol de Anatellon era provedor de tanta energia que os painéis levaram pouco tempo para carregar toda rede de armazenamento da gigantesca civilização do terminador. Onde estão instalados como plataformas flutuantes sobre a lava metálica, também chovia lava e a limpeza era necessária a cada 25 dias terrestres, e a manutenção não era fácil pois somente os mechas podiam percorrer aquele território.
O setor de manutenção, conhecido como “Forja do Terminador”, era um labirinto de corredores blindados e maquinário pesado, onde engenheiros e mechas trabalhavam incessantemente. Dr. Telmior Varnan, um engenheiro veterano, supervisionava a instalação de novas placas fotovoltaicas enquanto lidava com falhas frequentes causadas pelas tempestades de lava.
Kaelyon M’hari, era um cientista respeitado e um dos poucos a sobreviver à guerra mundial que assolava sua civilização, o verdadeiro silêncio estava dentro de sua mente. Nesta guerra o desenvolvimento tecnológico avançando rapidamente e uso de energia gerava uma demanda complicada de atender para criar trajes mechas para caçar os inimigos que se escondiam no lado claro de Anatellon. Havia uma grande produção de lixo e havia um grande desperdício de recursos. A mineração de Titânio, Silício, Ferro era tão intensa que parte da superfície do lado claro já estava quase como uma concha. Mas por conta das leis do equilíbrio hidrostático, o planeta procurava sempre ficar na forma esférica, e a gravidade se encarregava disto. Os tremores eram constantes, havia a necessidade de às vezes ir para o lado escuro e raras vezes era necessário ir para a órbita de Anat em naves chamadas ARCAS.
Kaelyon estava no laboratório de pesquisa, a vasta sala de aço e gelo iônico que parecia cristais, com uma dureza imensa. Ali era o coração do Centro de Inovação Científica de Anatellon.
O laboratório não era apenas um espaço de trabalho; era uma colmeia de atividade. Setores dedicados à biotecnologia, propulsão, e um setor médico ficavam dispostos em um formato modular, com passarelas que conectavam as áreas. No centro do laboratório, cientistas trocavam ideias em um espaço social chamado “Ponto de Reflexão”, um ambiente destinado a aliviar a tensão crescente. Entre os cientistas estava Leresh Rhyne, amigo de longa data de Kaelyon, conhecido por suas contribuições em biotecnologia e seu otimismo resiliente, mesmo nas horas mais sombrias.
O ambiente ao seu redor, tinha amplitude de visão para o mundo lá fora escuro e ardente, onde o terminador tinha uma coluna que rasgava o céu com lava. A estrutura do grande laboratório era formada por consoles de controle flutuantes, sobre teto e sobre paredes. No centro uma janela exposta e aberta, e no meio a mesa de reflexão e de planejamento. No teto o que parecia um objeto de decoração ficava Calyx, a inteligência artificial que ajudava nas análises e na estruturação do projeto. Era um reflexo da civilização que ele ajudava a criar e que chegaria a este mesmo nível mesmo com apenas partes principais do DNA, que iriam ajudar a perpetuar o melhor da espécie e auxiliar uma nova espécie mutuamente a se tornar avançada, sofisticada, mas também que poderia ficar profundamente isolada, como o próprio planeta que habitavam.
Ele se levantou da mesa e olhou pela janela, para a tempestade que rugia no horizonte, com relâmpagos de metais pesados cortando o ar. A visão do caos exterior, mesmo tão familiar, o fazia sentir-se pequeno. Pequeno em comparação à vastidão do universo e às consequências de seus próprios experimentos.
“Estamos criando algo que talvez nem devêssemos ter começado…”, pensou, enquanto seus olhos percorriam o céu tumultuado. “Mas talvez seja tarde demais para voltar atrás.”
Adrenna M’hari, sua filha, entrou na sala, interrompendo seus pensamentos. “Pai, você está bem?”, perguntou, com a voz cheia de preocupação. Adrenna era jovem, mas seu intelecto aguçado e sua inclinação para questionar tudo a tornavam uma crítica constante das decisões do pai.
“Sim, Adrenna. Apenas pensando.”
“Pensando ou se torturando?”, ela rebateu, aproximando-se da mesa de planejamento. “Você sabe que muitos de nós acreditam que essas Arcas não são a resposta.”
Kaelyon suspirou. Ele sabia que Adrenna representava a nova geração de Anatellon, idealista e cheia de dúvidas éticas. Mas ele também sabia que não havia escolha. O planeta estava morrendo, e o tempo estava acabando.
O projeto das Arcas de Semeadura estava avançando rapidamente, e com isso, os dilemas éticos se tornavam mais agudos. Kaelyon sabia o quanto o futuro de sua civilização dependia desse projeto secreto — semear vida em planetas distantes, propagar uma herança genética capaz de preservar os vestígios de sua própria espécie. Mas agora, mais do que nunca, ele sentia que havia algo errado com o curso que haviam escolhido.
“Estamos brincando de deuses.”
Ele se virou e se aproximou de um dos terminais, onde os cálculos para a próxima missão estavam sendo projetados. A Arca destinada à Terra estava quase pronta. A última de uma série de sondas que poderiam salvar Anatellon. Mas também poderia significar sua destruição.
Enquanto seus dedos dançavam pelo teclado, ativando os sistemas de comunicação interplanetária, um alerta piscou na tela: uma mensagem codificada de um dos líderes dos Osionitas, a facção dissidente que acreditava que a interferência na evolução de outros mundos era um erro fatal. A guerra entre os Osionitas e os que defendiam o Projeto de Semeadura já havia devastado muitas regiões do planeta. Agora, parecia que as forças dissidentes estavam mais perto de sua base do que nunca.
“Eu sabia que chegaria a este ponto…”, murmurou Kaelyon, sentindo o peso da responsabilidade em seus ombros. Ele sabia que não poderia mais esconder sua pesquisa. A guerra estava ameaçando destruir a civilização de Anatellon, e sua última esperança estava em uma Arca, pronta para viajar até a Terra.
Do outro lado do laboratório, Leresh Rhyne se aproximou com pressa, carregando uma prancheta holográfica. “Kaelyon, precisamos conversar. A última análise mostrou uma discrepância nos cálculos gravitacionais da Arca. Se não corrigirmos isso, podemos perder a sonda antes de ela atingir a Terra.”
Kaelyon assentiu, seus pensamentos ainda divididos entre o trabalho e as implicações morais. Ele sabia que não havia margem para erros, mas também sabia que cada passo os aproximava de um futuro incerto.
A transmissão foi direta, sem rodeios:
“Kaelyon M’hari. Sabemos o que você está fazendo. As Arcas não são nossa salvação. Elas são nossa condenação. Você deve parar antes que seja tarde demais.”
Kaelyon se recostou na cadeira, sentindo o frio de uma raiva controlada se formar em seu estômago. Os Osionitas eram teóricos, sonhadores que não compreendiam a realidade da situação. Eles falavam de ética, mas estavam cegos para a única verdade: Anatellon estava morrendo. E a única chance de salvar sua civilização estava em suas mãos.
Ele apertou um botão no console e a transmissão foi encerrada. Mas a inquietação permaneceu. Como poderia enviar uma Arca para a Terra e, ao mesmo tempo, garantir que a civilização de seu povo sobrevivesse? Estaria ele realmente criando uma raça humana capaz de refletir sobre seu propósito, ou estaria apenas replicando a história de sua própria espécie, uma história marcada pela destruição?
O olhar de Kaelyon foi atraído para o painel de controle à sua frente. A projeção tridimensional do planeta Terra apareceu. Um ponto azul, vulnerável, como Anatellon um dia fora. Ele estudou os dados, a atmosfera instável, as vastas extensões de água e terra. A Terra era o mundo mais semelhante ao seu, e talvez por isso fosse seu último alvo. Mas, como tudo o que ele fazia, havia uma ironia cruel nisso. Ele não podia salvar seu próprio planeta, mas talvez pudesse semear vida em outro.
Mas a verdade era que ele não estava apenas enviando uma Arca; ele estava criando algo novo, algo que ele não podia controlar. As sementes da civilização de Anatellon estavam prestes a serem plantadas em um mundo que nada sabia sobre a força que moldaria seu destino.
“Será que isso é realmente o que devemos fazer?”, ele pensou, a dúvida corroendo sua mente.
Ele olhou mais uma vez para os cálculos, as equações que haviam sido criadas para guiar a Arca até a Terra, e pensou naqueles que o chamavam de criador, de semeador. Mas a verdade era que, no fundo, ele se sentia mais como um arquétipo sombrio de destruição, um deus capaz de dar a vida… mas também de tirar.
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